É pouco provável que haja alguém que não tenha tido um professor. A esmagadora maioria teve. E professor aqui não se refere apenas àquelas amáveis criaturas de nossa infância nas escolas elementares. Fala-se delas e de alguns tipos inesquecíveis existentes ao longo de anos de estudo e cuja benevolência é lembrada com saudade. Há também aqueles que, pelo desinteresse nas aulas, são recordados com risos pelos seus ex-alunos, hoje profissionais. Em geral, professores desinteressados são minorias. Mas no primeiro grupo há sempre dois ou três deles que, possuidores de conhecimento, talento e paciência, itens indispensáveis ao ensino, acrescido da paixão pelos alunos, ficam na nossa memória como emocionante lembrança. Habitualmente são mestres não apenas pelos atributos acima descritos, mas pelo altruísmo em dividir seus conhecimentos e ilustrá-los com suas experiências, prendendo a atenção dos alunos e os deixando encantados pelo seu saber. Cada aula é uma espécie de conferência da qual saímos engrandecidos. São amorosos lentes se opondo àquelas pessoas com muita leitura, saber pessoal, mas que não dividem com o outro seus conhecimentos, não escrevem uma linha e não deixam registros de sua erudição.

E há também o reverso dessas afirmações: o ex-aluno raramente para para pensar como era visto pelos professores e se esquece ao longo da vida que é sua obrigação ser mais brilhante que o professor, assim como é dever do filho superar o pai. Só assim melhoramos, acrescentamos algo de novo no acervo herdado. É dessa forma que caminhamos e tentamos melhorar o mundo.

Não houve tempo para este articulista conhecer Guignard pessoalmente, algo que lamento, mas vários de seus ex-alunos foram ou são pessoas de meu convívio e a impressão que eles me transmitiram é que ele pertenceu à primeira categoria de professores. Por isso, eles não o esquecem e reconhecem nele o mestre que contribuiu para o engrandecimento artístico de cada um. Essa gratidão é registrada nos seus currículos, nos quais a condição de ex-aluno é ressaltada, ou no registro do seu legado nas obras deles. A transparência na pintura de Guignard, para citar apenas um detalhe didático e imortal do Sonhador de Ouro Preto, é herança imortalizada nas obras de Yara Tupinambá, Maria Helena Andrés, Sara Ávila, Amílcar de Castro e Holmes Neves e na delicadeza dos traços de Solange Botelho.

São alunos que, aprendendo com o lente querido, acrescentaram algo na sua própria produção, procuraram e encontraram seus próprios caminhos e se tornaram também mestres, ratificando a máxima de que a geração seguinte deve superar a anterior. Alguns deles abandonaram a influência do professor, partiram para obras tão radicais que surpreenderiam o mestre se hoje ele voltasse à vida. Esses ex-alunos acharam que a obra de arte de hoje deve tomar o lugar da técnica do desenho, do número de ouro, da composição equilibrada e que pouco importam as cores complementares, e abraçaram a arte contemporânea com seus novos elementos, refletindo o nosso próprio tempo.

Com a compreensão que Guignard tinha da arte e se aqui ainda estivesse, declararia com seu jeito carinhoso: “continue..., continue..., tá bom..., é assim mesmo”. Para ele, continuar, trabalhar, produzir, fazer, ir em frente era o importante. Há aqueles que, muito antes da morte do mestre, aderiram ao concretismo, colocando-o nas obras de planejadas formas geométricas confeccionadas com réguas e esquadros ou ainda nas dobraduras das chapas de aço, formando surpreendentes esculturas. E há ainda aqueles que continuam acreditando que a arte deve conter a técnica apurada do desenho e a preservação dos princípios que nortearam a arte de sempre. Nesses alunos é possível encontrar vestígios ou formas definitivas da ocasionalmente trágica, com freqüência benéfica e necessária transgressão.

O colecionador de olho apurado reconhecerá em alguns dos ex-alunos de Guignard o legado do mestre imortal e notará as transgressões de artistas que procuraram novos caminhos, registrando nosso mundo contemporâneo. Cabe a cada um de nós seguir as preferências que faz bater mais forte o coração do colecionador, com a certeza interna de que o que é bom fica para sempre.

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