João Perdigão e a Editora Autêntica acabam de publicar a primeira biografia de Alberto da Veiga Guignard,: “Balões, vida e tempo de Guignard: Novos caminhos para as artes em Minas e no Brasil”, um trabalho de fôlego a honrar o biografado pelo que ele representa no Brasil e em Minas Gerais em particular.

Guignard foi um pintor fundamental na história de Belo Horizonte nos anos 1940/1960 e ainda hoje pelo que ele trouxe de modernismo nas artes plásticas para o Brasil, em particular na pintura e pelo seu altruísmo como professor de duas gerações de pintores, cujos integrantes brilham e brilharam com a luz do mestre a iluminar seus caminhos de alunos e artistas.

O biografado tem vida trágica e misteriosa desde seu nascimento até seu retorno ao Brasil em definitivo em 1929. Sua mãe ficou viúva quando o jovem Alberto tinha nove anos. Ela recebeu uma quantia fabulosa de seguro de vida do marido, casou-se novamente com um barão de origem alemã e a família foi para a Europa, levando o filho e enteado. Sabe-se que tão logo a família o percebe como desenhista talentoso, matricula-o na Escola de Belas Artes em Munique.

Ocorre que entre 1914/1918 a Alemanha esteve em guerra e o nosso herói tinha entre 18 e 24 anos de idade. Como ele viveu neste período? E no pós-guerra? Ninguém sabe. Ninguém se interessou em perguntar-lhe sobre isso depois que ele retornou ao nosso país e nem ele relatou. A ausência de informação deste período é um dos vazios na biografia do velho mestre contaminada no livro de Perdigão, por que este não tinha local, pessoas ou registros de onde pudesse retirar material para preenchê-lo. Mas o biógrafo preencheu velhos vácuos por intermédio de entrevistas, documentos, cartas, depoimentos de ex-alunos, jornalistas, marchands e colegas de paleta. Há vários livros sobre Guignard e ainda dezenas de artigos e catálogos de exposições, mas este é o primeiro a conter biografia bem pesquisada e sem pretensão de ser crítica de arte sobre sua pintura.

Perdigão relata com acuidade o sofrimento de Guignard para enfrentar no Rio de Janeiro e posteriormente em Belo Horizonte os pintores acadêmicos que faziam de tudo para alijá-lo da trilha que o levaria para o pódio de ser o número um da pintura brasileira. Um desses sofrimentos foi ver Oswaldo Teixeira, em voto de Minerva no Rio de Janeiro, dar o prêmio de viagem ao exterior para o seu colega acadêmico Vicente Leite, hoje tão esquecido quanto o próprio Oswaldo. Guignard representava o Modernismo que Oswaldo odiava. Outra dificuldade foi enfrentar Anibal Matos e seus seguidores em Belo Horizonte, executores de pintura superada há décadas na Europa.

Se Perdigão esclarece tantos vazios na vida do artista, comete algumas injustiças com quem conviveu e colaborou como pôde com o velho mestre. Em várias páginas do livro, o autor comenta sobre o relacionamento entre Guignard e Mário Silésio a dar a impressão de que este fosse um explorador do artista. Não é verdade. Ele não foi um amigo hipócrita e interesseiro. Pelo contrário. Naquela época, pouquíssimas pessoas se interessavam por pintura e menos ainda compravam arte. Silésio era dono de cartório, pintor, rico financeira e intelectualmente e pagou pelos quadros que a família ainda possui. Ele foi um dos poucos mineiros contemporâneos que valorizou e comprou seus quadros. E o mestre achava ótimo ter alguém a considerá-lo como Silésio o fazia. É injusta a forma como ele é retratado no livro.

Outra injustiça é a falta de registros no livro sobre os sete anos nos quais Guignard morou com Santiago Americano Freire e Dona Helena. Há apenas ligeiras palavras sobre a viagem deles com Guignard à Europa. Santiago e Dona Helena não o receberam em casa por tantos anos para explorar dele. A assertiva é tão verdadeira que o casal tinha poucos quadros do pintor, se comparado à quantidade que poderiam ter tido ou de algumas poucas pessoas que compravam. Ele foi recebido pelo casal por altruísmo do médico, que era seu admirador e seu aluno nos intervalos entre suas aulas nas Faculdades de Medicina e Farmácia, além de saber o quanto Guignard era importante como artista. Dona Helena, pouco antes de seu falecimento, relatou a este articulista as dificuldades que o casal passava com ele, o trabalho que seu alcoolismo dava em casa e a dedicação de Santiago como médico e amigo. Quando ele deixou a casa do casal, Santiago comentou com ela que Guignard viveria apenas mais alguns meses. Não era uma maldição, mas uma profecia do que esperava o velho pintor sem um médico amigo ao seu lado. O artista morreu poucos meses depois.

O livro é bem escrito, tem exaustiva pesquisa e é leitura fascinante como são as biografias de pessoas interessantes e que deixaram marcas indeléveis nas suas passagens neste Planeta Azul.

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