Fonte: Ferreira Gullar

 

Um dos traços característicos do que se chama hoje de arte contemporânea é o exibicionismo (sem a conotação depreciativa que o termo acarreta), que a torna uma expressão típica do mundo de hoje, da sociedade do espetáculo. O artista deixa de produzir um objeto – a obra de arte – para promover happenings e performances; antes, predominavam as instalações que, embora não aspirassem à qualidade estética da obra de arte, ainda mantinham a pretensão de serem “obras”, ainda que efêmeras, o que veio desaparecendo gradativamente; hoje, predominam as vídeo-instalações que, como o nome indica, estão mais para o filme do que para a coisa material. Deve-se observar que as performances não são coisas de agora, pois já nos anos 60 tinham se tornado, senão as mais freqüentes, pelo menos as mais chocantes manifestações dessa tendência que é também chamada de arte conceitual.

 Neste momento em que escrevo, vem-me à lembrança o modo como trabalhavam os artistas medievais, anônimos construtores de obras magníficas, como as catedrais de Chartres ou de Colônia. Trabalhavam em equipe, sem que se distinguisse o pedreiro do escultor, realizando a obra comum que, esta sim, deslumbrava o público tanto por sua religiosidade como por sua beleza artística. Não se trata aqui de lamentar o fim dessa fase da arte, dessa relação entre o criador e o público, mas de assinalar a mudança ocorrida, pretexto também para uma reflexão sobre ela.

 Todos sabem que, com a Renascença, dá-se a separação entre o artesão e o artista, o que abriu novas possibilidades à criatividade, graças ao surgimento de condições propícias ao trabalho do artista individual e a expansão de seu talento. Destaca-se, a partir de então, a individualidade do artista, em função da obra realizada, seja como pintor, seja como escultor ou arquiteto.Essa tendência à realização do artista como individualidade criadora só se acentuará com o passar dos séculos, até chegarmos à época moderna, quando se dá uma ruptura drástica tanto nas relações do artista com a sociedade como nas suas relações com a própria obra de arte.

 Um fator importante nesse processo é o surgimento do mercado de arte, resultante das mudanças ocorridas na sociedade, com o poder crescente do capitalismo, como modo de propriedade e de produção. Concomitantemente, a Igreja perde a importância que tinha sobre a produção artística que, em função das referidas mudanças, afasta-se da temática religiosa. Essa desvinculação com o religioso e a vinculação com o mundo material determinarão a ruptura que assinala o nascimento das vanguardas artísticas do século 20.

E aqui a nossa reflexão reata-se com a referência anterior à situação do artista da Idade Média. Agora, com o surgimento da sociedade industrial, o pintor, que continua artesão, entra em crise. O ready made, de Duchamp, é a expressão sarcástica dessa crise e o início de um processo que conduzirá ao abandono do objeto de arte, isto é, da arte como realização de objetos artesanalmente produzidos.

 A solução para essa crise seria a adoção, pelas artes plásticas, das novas tecnologias, o que foi tentado (como Clavilux, de Thomas Wilfred; o aparelho cinecromático, de Abrahão Palatnik; as esculturas móveis de Shöffer etc.), sem grandes resultados, pelo fato de que o movimento mecânico é repetitivo. Tal limitação poderá ser superada pela alta tecnologia quântica que incorpore ao movimento o princípio da incerteza, isto é, a indeterminação, a imprevisibilidade. Por ora, a única expressão estética, nascida da tecnologia científico-industrial, é a fotografia e, como decorrência, o cinema, conforme já afirmamos aqui em artigo anterior.

 Desse ponto de vista, a arte performática de um Chris Burden ou da francesa Orlan, entre outros, resulta de um abandono do trabalho que produz a obra – por exibir-se a si mesmo como obra. No caso de Burden, que se crucificou na traseira de um fusca, pode se entender como desespero do não-fazer, resultando numa espécie de autoflagelação masoquista e exibicionista.

 Dentro do repertório exibicionista, temos desde o cara que se castrou em público até a performática que se deixou operar a vagina diante de uma câmera. Em face disso, exibir modelos desnudos, em meio a “cientistas” debruçados sobre larvas de moscas e magotes de sapos, parece brincadeira antiga.

 Mas que fazer a crítica diante disso? Que podem escrever os teóricos da arte, defensores da “evolução” estética, que tais manifestações significariam? Recentemente, participei de um debate sobre o tema e ouvi a leitura de um texto de umas 10 laudas, absolutamente incompreensível. Os defensores de tais manifestações como expressão artística não podem referir-se às qualidades estéticas – o que não é o caso –, perdem-se numa espécie de discurso delirante, onde a coerência e a clareza conceitual são o que menos conta.